Esta é a terceira parte de uma longa série focada na auto-publicação.
Nas duas primeiras partes foquei-me em desmistificar os diversos modelos de publicação e em explicar em que circunstâncias pode ser preferível publicar um livro de forma independente em vez de enveredar pela via tradicional.
Lê as partes anteriores desta série:
Parte 1: vale a pena auto-publicar um livro?
A grande diferença entre a publicação independente (auto-publicação) e a tradicional prende-se numa simples decisão: quem é que vai absorver os riscos e os custos da publicação?
Na publicação tradicional, o autor tem de encaixar num modelo de negócio e em canais de distribuição pré-existentes, o que faz com que, por vezes, nem todos os autores ou géneros literários tenham iguais chances de singrar por esta via.
Esta desigualdade depende de fatores comerciais e económicos e não na qualidade dos próprios livros. Existem livros muito bons que simplesmente não foram publicados em bom momento (nem promovidos da melhor forma) e que nem sequer chegam a conquistar o seu espaço nas prateleiras.
Assim como existem livros maus que, por questão de “timing”, se tornam em estrondosos sucessos de vendas.
A publicação independente surgiu como uma alternativa válida para que autores de géneros menos populares que, não gozando de uma grande audiência ou não encaixando no mercado “mainstream”, possam continuar a partilhar as suas histórias da melhor forma possível.
Como editar um livro antes de o publicar de forma independente?
Leitores “alfa”, “beta”, revisores e editores são palavras que devem cada vez mais a entrar no teu léxico se escolheste enveredar pela via da auto-publicação.
Todos os bons livros publicados de forma tradicional ou independente são avaliados por vários leitores e profissionais da área antes de chegarem às prateleiras. Isto implica várias cabeças a trabalhar em conjunto para o mesmo objetivo: fazer com que a história seja clara, coesa e cativante para o público-alvo ao qual se destina.
Isto porque não são apenas os erros ortográficos ou as inconsistências gramaticais que te podem escapar durante o processo de revisão, mas toda uma gama de inconsistências a nível de enredo que podem confundir o teu leitor.
É aqui que os escritores que publicam de forma independente têm de aprender a ser mais proactivos e procurar ajuda nos pontos mais fulcrais do processo de publicação. E o primeiro desses passos começa com a edição.
Leitores “alfa”
Estes são os leitores que te podem ajudar durante o processo da escrita.
Aquelas pessoas que vão fazer uma primeira leitura do teu rascunho (em bruto) e opinar sobre o rumo e o enredo da tua história. São estes leitores que te podem ajudar a tomar as decisões mais difíceis e, por isso mesmo, estas devem ser pessoas em quem confias incondicionalmente.
São pessoas que terão de ter o discernimento para te guiar no processo da escrita e, ao mesmo tempo, ajudar-te a nutrir o entusiasmo que sentes pela tua história.
Porque é que isto é tão importante?
Por uma simples razão, emocionalmente, um escritor é sempre mais vulnerável quando se trata de rascunhos em bruto. Nesta fase o que precisamos é de encorajamento e de pessoas que nos ajudem a fazer as perguntas vitais que vão propulsionar a nossa história. Não precisamos de entraves nem de análises profundas, precisamos de pessoas que nos ajudem a ver o caminho certo a seguir.
Nem todos os escritores trabalham com leitores “alfa” e os que trabalham costumam escolher pessoas próximas como amigos ou familiares.
Lembra-te que estes leitores têm de ser aqueles que estão preparados para ajudar-te a nutrir a tua história. A edição a sério só começa muito depois deste processo ter acabado.
Porque é que eu recomendo trabalhar com leitores “alfa”?
Todas as decisões importantes são tomadas no início da história. Certos pontos do teu enredo como o “inciting incidente” (quando o teu protagonista é confrontado com uma escolha) e o “lock in” (quando o teu protagonista toma a decisão) são os que vão marcar o ritmo e o tom da tua história. Quando estes dois pontos são fracos, identificá-los no rascunho final pode forçar-te a reescrever todo o manuscrito e é por isso que é tão importante ter feedback o mais cedo possível.
Eu prefiro trabalhar com leitores “alfa” porque sei que o meu ponto fraco é a criação de enredos sólidos e consistentes. Alguns escritores são naturalmente bons a criar enredos, mas fracos a criar empatia com os seus personagens.
Eu sou o absoluto oposto e é por isso que trabalhar com leitores nestas fases iniciais e vulneráveis dos meus manuscritos me ajuda a encontrar o bom caminho e a manter a motivação ao longo de todo o processo de escrita.
- Para saber mais sobre a importância do “inciting incidente” o “lock in” recomendo-te este artigo da Shaunta Grimes: “How To Plot Your Book’s Inciting Incident and Lock In”
Leitores “beta”
Estes são os leitores que lêem uma versão quase final do teu manuscrito.
Estes serão também os leitores que te irão ajudar a perceber se existem cenas que deves alongar ou cortar. Aqueles que apontam os acontecimentos que não são credíveis e os que te avisam quando tens de reduzir ou aumentar as descrições ou dar mais informação sobre certos eventos ou personagens.
Regra geral, não existe um número certo de leitores “beta” para um determinado livro, mas a maioria dos escritores escolhe trabalhar com 3 a 5 leitores durante esta fase da revisão.
Pontos importantes a reter sobre trabalhar com leitores “beta” no processo de edição:
- Os teus leitores “beta” não devem estar encarregues de editar ou rever a tua história, apenas de te apontar as arestas que devem ser limadas e a identificar grandes inconsistências que podem influenciar negativamente a experiência de leitura
- Estes devem ser parte do teu público-alvo e devem ser pessoas que gostam do género literário no qual planeias publicar
- Por vezes os teus leitores vão ter opiniões radicalmente diferentes e é por isso que idealmente devem ser em números ímpar
- Deves evitar pagar por este serviço principalmente no início. Estás apenas no início dum longo processo, e serão muitos os custos que terás ainda de suportar. Quanto te digo que deves evitar pagar por leituras “beta” nesta fase é porque existe uma alternativa melhor. Em vez de pagar, foca-te em integrar grupos de escritores (ou bloggers) com quem possas trocar opiniões. Disponibiliza-te a dar feedback como leitor “beta” (acredita que vale a pena porque rever trabalhos doutros escritores é uma parte vital do crescimento como escritor) e, em troca, pede ao escritor com quem vais colaborar que possa fazer o mesmo por ti
Regra geral, não recomendo que colabores com escritores ou leitores com quem não tenhas confiança. Foca-te em construir relacionamentos primeiro e em dar antes de pedir. As boas colaborações acabam por crescer de forma orgânica quando somos bondosos, recetivos e temos os pés bem assentes no chão.
Ao trabalhar com leitores “beta” é também importante preparares um questionário para guiares os teus leitores neste processo.
Alguns exemplos de perguntas que podes incluir no teu questionário:
- O que é que este evento te fez sentir?
- O que é que achaste desta personagem?
- Houve alguma personagem com quem te tenha sido difícil criar empatia?
- Em algum momento sentiste que a história se tornou confusa?
- Existe alguma cena que gostasses que tivesse sido mais longa?
- Qual foi a tua cena favorita e porquê? Qual foi a cena que menos gostaste e porquê?
O truque é fazeres com que os leitores “beta” se foquem em dizer-te o que é que a tua história os fez sentir. Esse é o objetivo mais importante que um leitor que te ajuda nesta fase deve cumprir.
Queres trabalhar com leitores “beta” e não sabes por onde começar?
Para quem escreve em português, a Patricia Morais (autora de “Sombras”), tem no site dela uma lista atualizada de bookstagrammers, book bloggers e booktubers que estão recetivos a colaborar com novos autores – acede à lista.
Editores e revisores de texto
Chegamos à fase mais importante deste artigo: a edição e revisão profissionais.
Para muitos autores, a revisão representa a maior fatia do seu investimento e, por isso mesmo, a decisão mais importante de todo o processo de auto-publicação.
Existem vários níveis de edição a considerar:
- Parecer editorial ou leitura crítica (na sua essência é um tipo de leitura “beta”, mas desde a perspetiva de um editor com experiência profissional)
- Edição (o editor identifica inconsistências a nível de enredo e dos personagens e ajuda-te a moldar a tua história numa narrativa coesa e clara, a edição deve ser feita antes da revisão do texto)
- Revisão (equivalente ao “proofreading” do inglês, a revisão foca-se na identificação e eliminação de gralhas e de erros gramaticais do teu texto, esta deve ser a fase final de todo o processo) – regra geral um livro deve ser revisto por 2 revisores diferentes para te assegurares que todos os erros são eliminados
Idealmente, um livro teria de passar por todos estes passos para se considerar pronto para publicação. Contudo, isto nem sempre é possível.
Principalmente quando não temos um nome ou audiência, pode ser extremamente prematuro apostar na edição profissional antes de nos assegurarmos que existe um mercado para os nossos livros.
E para te explicar o meu ponto de vista temos de olhar primeiro para os números.
Um livro de ficção costuma ter entre 60 e 120 mil palavras (cerca de 200 a 500 páginas). O que implica um investimento de €400 a €700 ou mais só no processo de revisão de texto. Os preços duplicam quando falamos em edição profissional.
Tendo em conta que a maioria dos autores independentes não vendem mais de 100 copias dos seus livros, investir em edição e revisão implica que terás menos dinheiro disponível para promover os teus livros (e isto é crucial quando estamos a começar), para continuar a investir na tua formação profissional e mesmo para investir na revisão do teu próximo livro.
Não estou a dizer que nunca devas pagar serviços de edição. Muito pelo contrário.
Contudo, para ser um autor ou autora com alguma estabilidade financeira precisamos de ser, acima de tudo, realistas. E enquanto a tua audiência é pequena, de pouco vale ter um livro muito bem editado se não sabemos como encontrar leitores que estejam interessados em lê-lo.
É como construir uma casa pelo telhado.
Ao contrário de muitos autores, eu acredito que saber promover é tão importante quanto investir em revisão, principalmente no início.
Vivemos numa época em que o barulho das redes sociais se tornou ensurdecedor e, se formos honestos, é cada vez mais irrealista achar que se a nossa escrita for boa, o sucesso acontecerá de forma natural e orgânica. Mas a realidade não podia estar mais longe disto.
Para começar recomendo-te a trabalhar com revisores de texto para o teu livro. Irei escrever mais sobre marketing e promoção (a minha especialidade!) num artigo futuro.
E para te ajudar neste processo de escolha criei uma lista de revisores de textos portugueses com quem deves considerar trabalhar:
- Elga Fontes – a Elga é a leitora, escritora, e revisora por detrás do projeto “Quem me Lera”, podes encontrar mais informação sobre os seus serviços de revisão, edição e leitura critica no seu site ou espreitar a sua página no Instagram
- Inês Montenegro – para além de uma escritora excecional no género da fantasia e da ficção científica, a Inês oferece serviços de edição e revisão de textos. Podes descobrir mais sobre a Inês no seu blog ou página no Twitter e saber mais sobre os seus serviços na sua página dedicada à edição
- Cláudia Amaral – conheci a Cláudia através do Instagram e entre trocas de opiniões sobre livros percebi que partilhávamos muitos gostos literários. A Cláudia trabalha como tradutora e revisora de texto e ajudou-me com a revisão do meu conto “O Caça-Cidades“. Se quiseres saber mais sobre os seus serviços, contacta-a através da sua página no Instagram
Existem também empresas que oferecem serviços de edição e revisão em Portugal:
- Projecto Foco – um projeto liderado pelo Pedro Cipriano (também fundador da Editorial Divergência) que nasceu para apoiar autores portugueses que querem apostar em publicação independente. O apoio que recebes ao trabalhar com este projeto vai além da revisão e que poderá ser ideal para quem procura “pacotes” completos que incluam design, edição e mesmo publicação. Podes consultar todos os detalhes sobre o Projecto Foco na sua página
- Escrytos – um projeto da Leya que oferece pacotes completos de edição, revisão, design e distribuição. Consulta todos os detalhes na sua página
- Booksfactory
- Bubok
Quando comecei a escrever este artigo não tinha previsto dedicar tanto tempo e espaço à edição.
Mas conforme fui avançando percebi que, de facto, este é um ponto que ainda intriga e causa confusão em novos autores.
A maioria dos leitores cita os erros ortográficos e gramaticais como a principal razão pela qual não compram livros auto-publicados. Por esta razão, a revisão não deve ser descurada, principalmente quando ainda estamos a tentar encontrar o nosso espaço num mercado tão competitivo e saturado como o mercado literário.
No próximo artigo irei continuar a escrever sobre a parte técnica da auto-publicação, especialmente sobre como formatar um livro para publicação e que plataformas usar neste processo.
Conhecias todos estes termos associados à edição?
Lê o próximo artigo da série: como publicar e distribuir um livro de forma independente
Créditos da imagem: Kelly Sikkema em Unsplash