No primeiro artigo desta série, escrevi sobre os pós e contras dos diferentes modelos de publicação.
Lê o primeiro artigo da série: Pela senda da auto-publicação: vale a pena auto-publicar um livro?
Mas antes de continuarmos este mergulho profundo por águas incertas, queria ressaltar uma mensagem importante que temo não ter ficado clara no meu último artigo:
AS “VANITY” NÃO APOIAM AUTORES
As “vanity” não devem ser consideradas sequer como opções válidas para autores que querem seguir a via da auto-publicação.
Pelo contrário, estas casas funcionam como gráficas que inflacionam os preços de impressão dos teus livros e vendem os seus “pacotes” como um serviço de edição completo quando, na verdade, não passam de um serviço de impressão extremamente caro.
Uma “vanity” vai exigir-te que pagues pelos seus serviços sem te dar o mínimo apoio em troca.
Em nenhum momento terás a oportunidade de trabalhar com editores, ilustradores, designers, ou sequer especialistas em “marketing” qualificados o suficiente para ajudar-te a navegar o mundo complexo da publicação.
Como é que vais saber que a editora que contactaste é uma “vanity”?
Muito simples: o processo vai ser demasiado rápido (dias em vez de meses) e em vez duma apreciação séria recebes um inchado orçamento. Ponto.
Os autores são os verdadeiros clientes das “vanity”, e quando digo clientes quero dizer que o investimento que os autores fazem na publicação dos seus livros são a principal a fonte de rendimento destas empresas.
Isto faz com que estas casas não tenham qualquer interesse ou motivação em vender os teus livros.
Volto a repetir: para uma “vanity” é indiferente se vendes 0 ou 500 cópias do teu livro. Por isso, nenhuma “vanity” te vai apoiar como mereces.
Pelo contrário, as “vanity” retêm os direitos de publicação sobre as tuas obras. O que significa que ficas impedido de publicar noutras plataformas de alcance mundial. Estas empresas trancam-te num contrato que só te traz malefícios e se estás disposto a investir em publicação independente – existe um caminho melhor!
E é sobre isso que venho falar hoje.
Como escolher entre publicação tradicional ou independente?
Se és viciad@ em #authortube como eu, nomes como Jenna Moreci, Sacha Black e Meg LaTorre (iWriterly) são-te familiares.
Elas dir-te-iam que nenhum dos modelos está certo e que, mais importante, ninguém tem o direito de fazer esta escolha por ti.
Não existe uma resposta certa a esta pergunta, e tanto autores auto-publicados (sim, mesmo os que publicaram com certas “vanity”) como autores publicados de forma tradicional vão tentar “puxar a brasa à sua sardinha” e tentar convencer-te que o seu modelo é o melhor.
Somos humanos.
E essa natureza faz com que tentemos justificar as nossas escolhas de forma racional e faz com que pensemos que essas escolhas são certas para todos.
A única recomendação que te posso dar em relação a isto é: lê livros sobre isto, vê vídeos e, acima de tudo, conversa com escritores e livreiros que tenham de facto experiência em publicação e depois decide por ti.
Porque é que a auto-publicação é a escolha certa para mim
“O quê!?” pensas tu, “a sério que vamos por aí?”
A sério, e prometo-te que não te vais arrepender. Sabes porquê? Porque ninguém fica indiferente a opiniões.
Podemos concordar, podemos discordar. Mas seja qual for o sentimento que a minha opinião incite em ti, espero que te ajude a decidir qual dos modelos é o certo para TI neste preciso momento da tua vida.
Em vez de mascarar a minha visão subjetiva sobre este tema, decidi começar por dizer que eu não sou, nem pretendo ser, objetiva.
Se acabares de ler este artigo com a certeza de que NÃO queres auto-publicar, para mim será uma vitória. Mesmo que eu ame o modelo de auto-publicação.
Mas primeiro, vamos falar do elefante que está no meio da sala
Contra todos os meus esforços, continuo a carregar o estigma de que os verdadeiros autores são aqueles que publicam de forma tradicional.
Todos os outros autores que não caem dentro desse apertado círculo são uns “pobres coitados” que apenas gostariam de jogar nas elites e que, entretanto, apenas se podem contentar com acessos a portas traseiras, campos de treino medíocres, e quintais.
Doeu não doeu?
A mim também.
Mas achei que agora era o momento certo para falar sobre o elefante gigante que anda a destruir a nossa sala de estar.
Há anos que tento erradicar essa crença dos meus pensamentos. Mas só depois de publicar o meu conto “O Caça-Cidades” é que percebi o quão profundas são as suas raízes.
Foram muitas as pessoas que me vieram dar os parabéns pela publicação.
E sabem como é que me senti? Uma fraude.
Foram inúmeras as vezes que tive de morder os lábios para não responder: “ora essa obrigada, mas sabes que eu não publiquei a sério, não sabes? Sabes que não sou uma autora a sério, não sabes?”
Tenho vergonha destes pensamentos? Tenho! Imensa.
Mas é por causa dessa vergonha que estou a escrever este artigo antes de mergulhar na parte técnica da auto-publicação.
Não tenho uma receita instantânea para mudar isto.
Como disse a minha terapeuta, se calhar irei batalhar contra esta crença toda a minha vida.
Ela tornou-se o meu pequeno demónio de estimação, que cresceu, ganhou raízes, e que agora não consigo convencer a ir-se embora.
Tenho a certeza de que não sou a única escritora no mundo que luta contra este demónio. Tenho a certeza de que todos os autores que pensam, ou pensaram um dia, em auto-publicar sentiram isto.
Auto-publicar implica lutar contra esses demónios internos e batermo-nos contra os demónios externos, significa sentirmo-nos uma fraude, idiotas e, ao mesmo tempo, avançarmos agarrados às nossas escolhas com unhas e dentes.
É como estar dentro da história “O Rei vai nu” e não só sermos o Rei, como estarmos conscientes de que estamos, de facto, nus.
Agora a sério…
Agora que já revelamos esta parte menos fofinha, vamos falar sobre as coisas que eu AMO no modelo de publicação independente.
Na auto-publicação, és tu quem retém a liberdade criativa
Isto pode não parece importante agora. Mas acredita que um dia será.
Ao publicar de forma tradicional estás literalmente a vender os direitos de publicação e de comercialização das tuas ideias a uma editora. Isto não é necessariamente mau ou bom, é apenas a forma como o mundo funciona.
Ganhas apoio, ganhas respeito, ganhas distinção e, ao mesmo tempo, abdicas do poder de tomar certas decisões.
Decisões como: quem é que vai ilustrar o teu livro; quando é que vai ser lançado; como é que vai ser lançado. Tudo isto fica nas mãos dos editores porque serão eles a absorver todos os riscos da publicação.
Pelo contrário, se publicas de forma independente, és livre de trabalhar com artistas e editores da tua escolha, és livre de escolher como vais promover os teus livros e és livre de cometer os teus próprios erros e aprender e crescer com eles.
Quando auto-publicas, estás a abraçar o processo completo, com tudo de bom e de mau que isso tem. Estás a escolher aceitar um grande risco e, ao mesmo tempo, reter a liberdade criativa sobre os teus projetos.
Porque é que isto se tornou tão importante para mim?
Quando pensas num cientista tenho a certeza de que criatividade não é a primeira coisa que te vem à mente, certo?
Mas os cientistas são pessoas invulgarmente curiosas que vivem constantemente insatisfeitas e assombradas por perguntas. Há cientistas que passam toda a sua vida a tentar encontrar indícios de vida fora da terra. Para além de terem de ser um pouco loucos, não podem deixar de ser criativos.
É preciso ser criativo para pensar numa forma de medir algo que nunca foi medido ou descrever algo que nunca foi descrito. Como cientistas, temos de imaginar algo antes de o conseguirmos provar.
Infelizmente, ainda educamos as nossas crianças a acreditar na versão dos cientistas quadrados e elitistas. Mas isso é uma história para outro artigo!
Depois de passar quase uma década entre corredores e laboratórios aprendi que não havia espaço para a minha liberdade criativa na ciência. Ter uma ideia e não ter a liberdade de a perseguir foi o que me transformou numa pessoa frustrada, cansada e amargada.
Foi também por isso que mudei de carreira.
Percebi que a liberdade era vital para a mim, e que não estou disposta a abdicar dessa liberdade em prol da segurança quando se trata das minhas histórias.
É por isso que, mesmo que auto-publicar me faça sentir uma fraude idiota, mesmo que os autores sérios me considerem uma piada, mesmo que as pessoas me critiquem, eu sei o que é abdicar da liberdade criativa em algo que amo. E não estou disposta a fazê-lo de novo.
A auto-publicação faz sentido quando gostas design ou marketing
Eu não sou uma designer fantástica, nem sou uma perita reconhecida em marketing (mas prometo que vou falar disso num dos próximos artigos da série).
Mas adoro aprender sobre isto e nada me deixaria mais feliz do que a oportunidade de usar os meus conhecimentos enquanto tento crescer como autora.
Isto quer dizer que se não tens uma aptidão para design ou marketing, deves esquecer a auto-publicação?
Eu costumava ter medo do Indesign, Photoshop e Illustrator. Marketing para mim era sinonimo de “manipulação de opiniões”.
Hoje estas são ferramentas que uso com uma boa dose de entusiamo e boa frustração. Podemos dizer que foi um gosto adquirido.
O meu atual trabalho foi o culpado por esta mudança.
Depois de trabalhar com inúmeros provedores de serviço na área do marketing e design que se dizem peritos, tanto eu como todos os meus colegas percebemos que: ninguém será melhor do que nós a vender os nossos próprios produtos!
Mas chegar a este ponto exige uma mudança de mentalidade.
Temos que perceber que os livros não são apenas os nossos “bebés”, eles também são os nossos produtos. E ninguém vai “batalhar” melhor por eles do que nós.
E se aprender mais sobre estas ferramentas é algo que te entusiasma, talvez a auto-publicação seja para ti!
Isto não quer dizer que terás que fazer tudo sozinho, apenas que deves sentir um certo entusiasmo em aprender os princípios que governam todos os pequenos e grandes passos do processo da auto-publicação. Porque mesmo que trabalhes com freelancers, precisas de ter os conhecimentos suficientemente desenvolvidos para julgar bem o seu trabalho.
Na auto-publicação, não precisas de ser o Stephen King
Ou seja, não precisas de ser um autor “mainstream”.
São cada vez mais os autores que geram um volume de vendas confortável através da auto-publicação. Isto não significa que (i) a auto-publicação seja uma receita rápida e infalível para fazer dinheiro na internet (morte a esse tipo de posts! Estou farta de tanto “clickbait” a assaltar o meu feed), nem que (ii) dê menos trabalho do que a publicação tradicional.
Pelo contrário, o tempo que os autores publicados de forma tradicional investem em encontrar editores e agentes, é tempo que tu, como autor auto-publicado vais ter de investir em aprender sobre todo o processo.
Contudo, há uma vantagem inegável na auto-publicação principalmente para aqueles autores que escrevem em géneros que não são parte da cultura “mainstream” atual. O significa que podes ser um autor com um rendimento confortável mesmo escrevendo romances obscuros da pré-história e com uma base de fãs que não ultrapassa as 1,000 pessoas (este número é completamente aleatório, mas eu prometo que vou falar disto noutro artigo).
Uma coisa que precisamos de entender sobre o mercado livreiro tradicional é que o “timing” é vital.
Se há um apetite voraz pelo teu tipo de histórias, é bem possível que encontres muito sucesso no mercado tradicional. Se esse apetite não existe, não podes colocar essa responsabilidade nas mãos de uma grande casa editorial.
Alguns dos géneros que têm sido cada vez mais difíceis de vender no mercado tradicional são: steampunk, fantasia urbana/paranormal, ficção científica em geral, ficção literária, poesia, etc.
Se escreves nestes géneros, isto não significa que tenhas de largar os teus sonhos de publicar. Pelo contrário, o modelo da publicação independente cria a possibilidade de seres autor a tempo inteiro ou parcial mesmo quando a tua audiência é pequena.
Para além disso, a auto-publicação permite que estes géneros literários continuem a crescer de forma independente porque a percentagem de direitos de autor que ganhas por cada livro vendido é imensamente superior à percentagem que os autores ganham no mercado tradicional.
A chave está em encontrar a TUA audiência.
Lê o próximo artigo da série: Pela senda da auto-publicação: como rever e editar um livro antes de auto-publicar?
Chegamos ao fim de mais um artigo na série “Pela senda da auto-publicação”.
Espero que as minhas ideias te tenham ajudado a perceber melhor as oportunidades e escolhas que fazem parte deste processo.
Se este artigo não te ajudou ou esclareceu, leva pelo menos esta mensagem para casa: as “vanity” não ajudam autores e, mesmo que as editoras tradicionais rejeitem os teus manuscritos, publicar de forma independente é melhor do que apostar numa “vanity”.
Obrigada e até para a semana!
P.S. se gostaste deste artigo, não o guardes só para ti, partilha-o com o mundo!
Créditos da imagem: Burst no Unsplash
Olá, Ana!
Estou a adorar esta série de artigos! Os teus argumentos são muito plausíveis, e estou absolutamente de acordo. Claramente, tens uma perspetiva muito assente na realidade no que diz respeito ao mercado editorial. Muitos parabéns!
Um beijinho,
Elisabete.
Olá Elisabete!
Oh, muito obrigada! Fico mesmo feliz por saber que estes artigos estão a ver úteis 😊
Confesso que este artigo foi o que mais me custou escrever desta série! Mas fico feliz por o ter partilhado no final. Existem ainda tantos estigmas e confusão, espero que um dia isso mude!
Beijinhos!
Ana