Amanhã sai o meu novo conto “O Caça-Cidades” e com essa iminente estreia vem a insegurança, os nervos, e um sentimento de pura incerteza quanto ao futuro.
Foi uma estranha coincidência ter planeado esta série de artigos para este momento. Um momento em que a comunidade de amantes de livros e escritores se bate em discussões acesas sobre o estado do mercado literário em Portugal.
Como diriam os anglo-saxónicos, vou aproveitar este longo artigo para partilhar os meus “two cents” sobre a tema, na esperança de que os altos e baixos que tenho vivido nos últimos anos te possam inspirar a encontrar o teu próprio caminho.
Mais uma vez convém ressaltar que este artigo é um reflexo das minhas opiniões e experiências. E aqui haverá sempre lugar para debates e divergências de opinião desde que isso seja feito com respeito. Por isso mesmo, nenhum nome, quer de autores, editores ou influencers será citado ao longo deste artigo.
Afinal, o que é auto-publicar?
Vamos mudar o léxico e adotar uma expressão mais otimista e explicativa. Há quem lhe chame “edição de autor”, eu prefiro chamar-lhe publicação independente. Convém neste momento dar um passo atrás e explicar o porquê da minha preferência.
Para isso primeiro temos de falar sobre os diferentes modelos de publicação:
Publicação tradicional | Publicação independente | “Vanity press” | |
Definição | A editora escolhe os autores que publica e fica a cargo de todas as despesas | O autor publica por conta própria, sem o apoio de uma casa editorial, e arca com todas as despesas iniciais bem como com a gestão do seu projeto | O autor publica com o selo de uma “vanity” na capa do seu livro, contudo, continua a ser o próprio autor a arcar com as despesas da publicação |
Vantagens | Maior prestígio e reconhecimento Distribuição alargada Parte do marketing da obra fica também ao cargo da editora Maiores possibilidades de participar em eventos literários com algum apoio da editora Ter uma equipa com experiência a apoiar o processo de edição e venda | Controlo máximo sobre todo o processo desde a criação da capa até ao marketing Liberdade criativa As percentagens de direitos de autor recebidos por venda são maiores comparativamente à edição tradicional Processo muito rápido e flexível Maior possibilidade de aprendizagem | Nenhuma, exceto aparentar que publicou com uma casa editorial reconhecida |
Desvantagens | Submeter manuscritos é um processo complexo que pode durar vários anos A percentagem de direitos de autor recebida é menor em comparação com a publicação independente Por vezes a pressão de publicar torna-se impossível, e muitos autores não publicam mais do que um livro se as vendas do primeiro não tiverem sido significativas | O autor torna-se no gestor do seu projeto e tem de aprender sobre todos os aspetos da publicação incluindo como promover o seu livro Alto custo inicial com baixa probabilidade de retorno Baixo reconhecimento e reduzida capacidade de distribuição e difusão | Todas as que possam imaginar incluindo uma falta de apoio sistémica ao longo de todo o processo de publicação Preços incomportáveis para o autor, etc. |
Porquê a minha visão tão drástica relativamente às “vanity”?
Por um motivo muito simples, o modelo de negócio das “vanity” foi desenhado da seguinte forma: os autores, não os leitores, são os verdadeiros clientes das “vanity”.
Estas casas medem o seu sucesso pelo volume de livros publicados e não pelo volume de livros vendidos.
Chamam-se “vanity” porque usam os sonhos e egos dos novos autores para produzir lucro de forma sustentável. E, no meio deste caos que é o mercado editorial português, existe um caminho melhor.
Tanto na publicação tradicional como na independente o panorama é radicalmente diferente.
Em ambos os casos, o verdadeiro cliente é o leitor, e o formato de publicação difere apenas numa simples decisão: quem é que vai arcar com os custos de produção?
Nas editoras tradicionais, são as editoras que absorvem os riscos e custos da publicação. Para além de que é absolutamente espetacular ter uma equipa de editores que acredita no nosso trabalho antes de o lançarmos ao mundo.
Isto é algo que não se pode replicar nos modelos de publicação independente, onde o autor, para além de arcar com os custos, tem de aprender a valorizar o seu trabalho sozinho para o poder vender da melhor forma possível.
Quem mexeu no meu “queijo”?
Antes de avançar vamos falar dos mecanismos de negócio que fazem com que a máquina de publicação continue a girar: os livros!
No emblemático livro de Spencer Johnson, o “queijo” representa aquilo que mais queremos na vida. E se estás a ler este artigo, eu vou atirar o meu “wild guess” e dizer que o teu “queijo” simboliza o sucesso através da publicação de livros.
Mas será que os livros são rentáveis como produtos?
A resposta rápida é: não!
E antes de fechares o teu browser e me mandares à m*rda, deixa-me explicar-te o porquê.
Os custos do “queijo”
Os livros, especialmente os de ficção (porque costumam ser mais longos e difíceis de vender), são imensamente caros de produzir.
É preciso ter em conta as despesas associadas à revisão, à paginação (formatar livros não é um processo simples), à produção da capa, ao marketing, às copias cedidas, à promoção (paga) na própria Amazon e nas redes sociais, etc. E aqui incluo as promoções que são pagas às próprias plataformas e às famosas parcerias remuneradas com influencers. Ambas são formas válidas de promoção.
E não, não é hoje que vou dar a minha opinião fundamentada sobre este tema.
Produzir um livro com qualidade e fazer com que ele chegue às mãos de potenciais leitores tem um custo exacerbado. Há uns anos seria inconcebível que um autor individual pudesse arcar com todos os custos e gerir todo o processo de forma independente.
Plataformas como a Amazon e Kobo vieram mudar isso.
Mesmo assim, as coisas estão longe de serem perfeitas.
Ganhar dinheiro com “queijos”?
No panorama da publicação tradicional, os autores em Portugal continuam a arcar com certos custos como a oferta de exemplares para divulgação e a construção da sua plataforma de autor.
O mercado tradicional não é algo sobre o qual eu seja qualificada para falar. Por isso não me irei alongar muito.
Vou apenas referir que os meus longos anos na ciência com dezenas de artigos científicos publicados ensinaram-me que estas editoras podem dar-nos uma visibilidade “imediata” e reconhecimento que dificilmente poderíamos alcançar por conta própria. (antes de me atirarem pedras, lembrem-se que digo isto em comparação com a publicação independente)
Em vez de começarmos a construir a nossa “marca pessoal” como autor do zero, podemos usar o prestígio da casa editorial como ponto de partida. Claro que este caminho tem mais pedras do que rosas, mas no geral, não podemos negar as vantagens obvias de nos atirarmos ao “charco” quando temos o apoio de uma casa editorial.
No panorama da edição independente, as coisas não são bem assim e para além do custo incalculável de promoção, os autores ainda ficam a cargo de contratar revisores e designers para a produção de capa (embora não seja obrigatório que o façam), o que pode chegar a faturas no valor dos 1000-3000€.
E ainda nem sequer começamos a falar do custo de promover um livro e a dificuldade de entrar no mercado quando ninguém conhece o nosso nome. Estas temas serão abordados num outro artigo desta série e neles vou partilhar tudo o que tenho aprendido sobre marketing nos últimos temos.
Mas agora vamos olhar para o “queijo” em si.
Uma vez que o mercado editorial tradicional português não paga, por norma, avanços aos seus autores e que os direitos autorais andam à volta dos 10%… façam as contas à quantidade de livros que um único autor precisa de vender para ter algum lucro.
No panorama da publicação independente a situação é um pouco melhor. E para te explicar melhor, vou pegar no meu conto a título de exemplo:
- Formato digital na Amazon
Vender o meu conto por $0.99 traduz-se em $0.35 de direitos de autor recebidos por cada venda.
Recebo apenas de 35% do valor da venda porque estou a vender o conto a baixo preço. Se o colocasse a um preço de $2.99 ou mais faria com que pudesse beneficiar de 70% de direitos de autor (o facto de eu não estar a fazer isto fica para o artigo em que falarei de marketing).
Se quiseres beneficiar de certas vantagens como “countdown deals” ou inclusão no “kindle unlimited” tens que registar o teu livro no programa “KDP select” que te obriga a publicar de forma exclusiva com a Amazon durante um período mínimo de 3 meses (renováveis ou não).
Caso não tenhas interesse nestas condições, podes optar por publicar sem colocar o livro no “KDP select” e levar o teu ebook além da Amazon e para outras redes de distribuição como a Kobo.
- Formato físico na Amazon
Vou explicar como é que se vendem livros físicos na Amazon noutra secção desta série.
Para já fica a breve explicação de que é possível vender livros físicos através da Amazon (e de outros provedores) sem ter que se fazer ou gerir stock, a isto chama-se “print-on-demand” e funciona na seguinte forma: o nosso livro só é impresso aquando do processo de venda.
Isto traduz-se num processo mais simples, menos stressante e mais barato para o autor. Porque enquanto as “vanity” e as imprensas tradicionais te obrigam a comprar uma grande quantidade de livros de uma só vez, o programa de impressão sob demanda da Amazon, permite-te só pagar o “valor de capa” do livro quando vendes um exemplar.
Temos dois modelos de publicação de livros em formato físico na Amazon e esta escolha vai influenciar em muito as tuas vendas e ganhos:
- distribuição exclusiva na Amazon (recebes 60% de direitos de autor menos o preço de capa de livro)
- distribuição alargada não exclusiva à plataforma da Amazon (recebes 40% de direitos de autor menos o preço de capa)
Para o meu conto em distribuição exclusiva isto traduz-se num ganho de $0.55 por cada exemplar vendido a $4.50.
Não se esqueçam que ainda não abordamos a temática mega interessante a que podemos chamar de: o drama de pagar impostos como autor independente! Mas prometo que, se quiserem, poderemos falar nisso!
Os riscos de vender “queijos”
Esta alegoria dos “queijos” vai ser terrível para o meu SEO, mas quero por um momento dissipar a aura de ódio que tem contaminado esta temática nos últimos tempos.
Por isso, “bear with me”!
Quase ninguém fala dos riscos associados à venda de livros. Mas eles existem e são tão reais para uma editora tradicional como na publicação independente.
E se um livro não vende bem? E se nunca recuperarmos o investimento inicial?
Para os novos autores independentes, o caso é quase sempre este. Em média, um autor independente vende apenas 100 exemplares do seu livro. Vamos pegar nos direitos de autor que poderei receber com a publicação do meu conto – isto traduz-se em $35 a $55 de lucro (fora impostos).
Motivante, não? 😂 Noutro artigo explico o porquê desta minha decisão!
Numa editora tradicional, estes riscos são mais fáceis de gerir. De facto, o normal é que haja livros que vendem muito bem e esses lucros ajudam a suportar toda a equipa e são usados para diluir as perdas originadas por livros que não vendem tão bem e que não chegam a compensar o investimento.
E o que é que os autores independentes podem aprender com isto?
Que o volume também importa. O facto de um dos nossos livros não vender poderá ter pouco peso a longo prazo. E é nisso que temos de nos focar se quisermos enveredar pela publicação independente com os pés assentes na terra.
Basta um livro correr bem, para que as coisas comecem a funcionar e a tornar-se “lucrativas”. Contudo, não vamos esquecer o longo caminho que temos que percorrer para um dia chegar lá. E não vamos esquecer que o sucesso NUNCA é garantido.
A reter
Os livros são, provavelmente, dos produtos artísticos que menos lucro dão ao seu criador.
Uma margem de ganho extremamente baixa acompanhada da crescente competitividade que tem vindo a descer os preços, faz com que tenhamos de ser bastante criativos e estratégicos a nível de marketing.
Isto também significa que o que temos que otimizar no inicio da nossa carreira é a difusão e a distribuição dos nossos livros. Sempre tendo em atenção que a qualidade vai ter um papel preponderante na longevidade das nossas obras!
Na verdade, penso que no futuro os autores terão mais abertura e liberdade para optar por uma carreira hibrida, em que escolhem publicar certos livros de forma independente e outros de forma tradicional.
Entretanto, não vamos esquecer que no meio de tantas boas oportunidades, as “vanity” não deveriam ser parte da solução.
Muito obrigada por leres este artigo na integra!
Esta primeira secção da série servirá de introdução à temática da publicação independente.
Quero aproveitar também para dizer que no próximo artigo vou abordar os temas mais técnicos da publicação independente na Amazon, incluindo os programas que uso para preparar os livros e de que forma otimizo os meus “listings”.
Eu ADORO esta parte do processo, e é uma das razões pelas quais gosto muito de publicar de forma independente. Para outros autores isto seria um pesadelo, para mim, é uma das parte divertidas de criar um livro. Sou tão geek quanto pareço? Sim, imensamente, e com um orgulho nortenho ferrado.
Se tiveres outros temas em mente, ou se queres partilhar comigo a tua frustração sobre a publicação independente, sabes onde me encontrar 😘
Lê o próximo artigo da série: Pela senda da auto-publicação: a publicação independente é para todos?
Créditos da imagem: Seven Shooter em Unsplash
Adorei o artigo, não fazia a mínima ideia que o mercado editorial era assim. O mercado editorial para mim significa apenas traduzir um livro e receber o dinheiro por ele uma única vez 😅
E às vezes sinto que ainda sei tão pouco sobre tudo isto! Isto é mesmo os meus “two cents” e valem o que valem. Mas tenho visto tantas barbaridades nos ultimos dias que achei que fazia sentido partilhar isto!
Infelizmente os tradutores também continuam a ser mal pagos e pouco reconhecidos pelo seu trabalho 😢 e isso também não esta nada correto…
Adorei o artigo, super informativo! Vou ficar à espera de mais!
Muito obrigada Raquel! Fico imensamente feliz por saber isso! Até à próxima e se tiveres mais questões não hesites em escrever